terça-feira, 6 de outubro de 2009

ENTREVISTA HERÓDOTO BARBEIRO

Na opinião do jornalista Heródoto Barbeiro, a maioria das assessorias de comunicação do setor público tem um desempenho muito ruim na administração de crises porque não possuem estratégia de trabalho e não sabem lidar com situações de crise. A culpa, segundo ele, é dos próprios assessores de imprensa, que não se impõem como deveriam dentro das instituições que representam.

Esta entrevista foi realizada na CBN-São Paulo, em 2004, no intervalo do programa. Dias depois, estava o colega dando uma palestra em Belo Horizonte no mesmo hotel em que eu ministrava curso (pelo Instituto Brasileiro de Administração Pública-IBRAP) para jornalistas mineiros. Lamentavelmente, não foi possível conversar com ele novamente devido a nossa agenda.

Heródoto, que entre as ocupações como escritor e articulista, apresenta o Jornal da Cultura, na TV Cultura-SP; e o Jornal da CBN, do Sistema Globo de Rádio, onde é também gerente regional de Jornalismo - considera imprescindível a existência de um comitê de crises dentro das assessorias de comunicação de órgãos públicos.

O jornalista afirma que a falta de preparo atinge, inclusive, a Secretaria de Comunicação do Governo Federal, a qual julga ter sido ineficiente em muitas situações como na ocasião da compra do avião da Presidência da República, o “aerolula”, e o da repercussão internacional sobre a “embriaguez” do presidente Lula e outras.

No seu ponto de vista, para lidar com situações de crise de toda natureza, as assessorias precisam ter resposta para tudo e nunca devem omitir fatos importantes para a opinião pública. Veja o que mais pensa o jornalista sobre as assessorias de comunicação:

Cassimiro - Como você vê, no setor público, o comportamento de algumas instituições que não têm a cultura de gestão de crises, ou seja, aquelas que preferem deixar o problema acontecer para depois responder?

Heródoto - O setor público têm que aprender a gerir crises muito mais que o setor privado. Em uma empresa, crise é coisa rara. Já no setor público, crises acontecem praticamente todo o dia. As assessorias de imprensa de instituições públicas precisam estabelecer uma cultura de gerenciamento de crises para eventos diários, de forma que seja possível se antecipar aos problemas. Quando isso não for possível, ao menos as assessorias devem estar preparadas para oferecer uma reposta rápida para a imprensa.

Cassimiro - Você considera os comitês de crise em instituições públicas igualmente funcionais como nas empresas?

Heródoto - Claro. Se eu fosse um governador ou prefeito, minha assessoria de imprensa seria especialista em gestão de crises. Em relação a uma crise importante, os demais trabalhos das assessorias são mínimos. Porque se um problema não for bem administrado em uma instituição pública, como uma prefeitura, por exemplo, essa crise pode desgastar tanto a imagem da instituição como do seu administrador. Como conseqüência, cai a popularidade do gestor e sua pretensa reeleição pode ser prejudicada, quando não, acaba de vez com sua carreira política.

Cassimiro - Na sua opinião, como devem agir as assessorias de comunicação quando há resistências à cultura de gerenciamento de crises dentro da instituição?

Heródoto - As assessorias devem estabelecer um plano com objetivos definidos, destacando a função e a estrutura de um comitê de crises, e entregar esse projeto na mão do assessorado. É preciso vender ao assessorado o que as medidas sugeridas vão representar na sua gestão, de maneira que isso fique bem claro. Se o assessorado for inteligente e raciocinar estrategicamente, ele vai aceitar a proposta.

Cassimiro - Quais profissionais você considera apto para o trabalho de gestão de crises dentro de uma assessoria de imprensa?

Heródoto - O jornalista é o profissional mais indicado. Porque o jornalista é geralmente uma pessoa bem informada, que lê todos os jornais do dia, que ouve emissoras de rádio. Portanto, é o profissional que, enquanto o prefeito está pensando em governar, ele está pensando estrategicamente no amanhã, coisa que o gestor público muitas vezes não sabe fazer.

Cassimiro - Mas você não acha que é preciso haver um preparo do jornalista para que ele possa saber racionar estrategicamente dentro de uma instituição pública?

Heródoto - Claro. Um jornalista assim tem que saber atuar taticamente, ou seja, precisa ser um profissional com habilidade para apagar incêndio já olhando para o resultado do problema e qual será a interpretação daquela crise. Deve ser um tipo de jogador volante, aquele que dá o primeiro combate diante de um ataque; aquele que em vez de ficar com a cabeça para baixo e de olho na bola, como faz a maioria dos jogadores, está sempre de olho nas jogadas, com a cabeça levantada.

Cassimiro - Diante de uma crise importante como, por exemplo, aquela enfrentada pela Secretaria de Comunicação do Governo Lula para o caso da compra do avião. Como os jornalistas devem agir na hora de emitir uma resposta à imprensa sem que subestimem a inteligência dos colegas de redação?

Heródoto - Em situações de crise, as respostas precisam ser elaboradas de forma transparente e não é preciso enganar ou manipular. No caso do avião do Lula, eu levaria os jornalistas para ver o estado do sucatão, como era chamada a aeronave antiga. Por mais que os jornalistas quisessem malhar, chamar o novo avião de aerolula, eles se convenceriam daquela necessidade, ainda que tenha havido o empenho de 56 milhões de dólares.

Cassimiro - E quando diante de uma crise, dentro das assessorias, surgem aquelas opiniões técnicas de pessoas de fora do setor sugerindo a omissão de determinados assuntos ou de outra conduta contrária a dos profissionais da área?

Heródoto - Eu penso da seguinte forma: se em uma situação de crise você omitir ou mentir algum fato, você corre um grande risco. É melhor que você apresente a sua versão dos fatos - ainda que nem todo mundo possa concordar - do que você omitir. Na vida pública, as coisas não terminam amanhã. Se daqui um ano alguém descobrir um fato omitido no ano passado, a imprensa requenta o assunto e publica.

Cassimiro - Geralmente os homens públicos buscam auxílio junto aos seus advogados e outros assessores e não têm a cultura de consultar suas assessorias de imprensa na busca de saídas para algum impasse complicado. Como você avalia esse comportamento?

Heródoto - Eu acho que os gestores devem ouvir a opinião de técnicos, mas é fundamental que se consulte as assessorias. Quando acontece um problema, o jornalista já sai distribuindo releases explicando a situação e já apresentando uma solução. Quando o técnico vai falar, dá explicações insuficientes em uma linguagem que a imprensa talvez não entenda. Se você sai na frente com uma resposta, o impacto é outro.

Cassimiro - O que você acha do episódio da expulsão do jornalista americano que publicou matéria colocando o Lula como alcoólatra?

Heródoto - Aquilo que o jornalista escreveu todo mundo já conversava no meio jornalístico. Sabe como assessoria de imprensa teria ajudado nesse caso? A assessoria deveria ter avisado ao presidente sobre esses comentários para que ele mudasse de atitude. Os assessores, nesse caso, não podem ser puxa-sacos porque puxa-sacos não falam a verdade para não contrariar o assessorado.

Cassimiro - Significa dizer que o assessor deve ser sincero mesmo que isso incomode seu patrão?

Heródoto - Eu não seria assessor de ninguém se não pudesse falar a verdade ao meu assessorado. E se eu fosse o assessorado e minha assessoria não me falasse tudo o que pensa para me preservar, demitiria todo mundo. É preciso haver uma relação de confiança entre as partes. Só os amigos é que apontam nossos erros. Os inimigos não fazem isso. Eles querem mais é que a gente se estrepe.

Cassimiro - O que você acha da atuação das assessorias de comunicação dos setores privado e público?

Heródoto - A maioria das assessorias de imprensa do setor privado é boa e a maioria das assessorias do setor público é muito ruim.

Cassimiro - A que você atribui o mau desempenho das assessorias do setor público?

Heródoto - Falta de preparo e uma grande rotatividade no setor. Não se consegue montar uma equipe eficiente. Quem vai ser governador ou prefeito por quatro anos tem que montar uma boa equipe, como em um time de futebol.

Cassimiro - Essa equipe deve ser formada por pessoas de confiança ou podem ser profissionais concursados?

Heródoto - Tem que ser homens de confiança. No momento em que for contratado, o relacionamento tem que ser olho-no-olho.

Cassimiro - Uma equipe composta por profissionais de Relações Públicas, jornalistas e publicitários funciona bem?

Heródoto - Funciona desde que o cabeça da equipe seja o profissional com maior visão estratégica. É preciso identificar na equipe esse profissional. Não importa que seja um publicitário, um jornalista ou um relações públicas. Mas acho que o jornalista tem mais ferramenta para esse bom desempenho do que qualquer outro profissional. Porque o jornalista circula no meio dos jornalistas, vai a festas de jornalistas, conversa com os colegas, vai ao sindicato dos jornalistas.

Cassimiro - A proximidade com os jornalistas de redação deve ser mais estreita?

Heródoto - Sim, mas deve ser uma proximidade profissional, de respeito mútuo.

Cassimiro - Uma das recomendações do manual para resposta à imprensa, da Secretaria de Comunicação do Governo Federal - é de que os assessores de imprensa nunca discutam com colegas de redação. Isso está certo?

Heródoto - Depende. Uma coisa é você discutir e outra é você brigar. Se o jornalista faz uma reportagem e não obedece aos princípios éticos do jornalismo, a bomba vai cair sobre a assessoria. Não é por isso que se deva brigar com os jornalistas. O assessor deve chegar, amigavelmente, e apontar os erros cometidos, mas nunca se deve dizer que o jornalista não podia ter publicado algo porque isso ele pode porque é um direito dele. O que não se pode fazer é fugir da ética profissional.

Cassimiro - Nesse aspecto, há situações em que, quando abordado por assessores de imprensa sobre um problema ocorrido em algum texto divulgado, jornalistas costumam reagir de forma hostil, argumentando que muitas matérias positivas são publicadas e o assessor só liga para a redação quando algo sai errado. Jornalistas assim não estão agindo como alguns gestores públicos que costumam dizer que a imprensa só valoriza o que é negativo?

Heródoto - Claro. É obrigação do jornalista fazer matérias corretas, assim como político tem que agir corretamente.

Cassimiro - A relação tem que ser amigável?

Heródoto - Sim, mas nem tanto. Não se pode misturar questões pessoais como querer namorar a jornalista de redação, por exemplo. O contato tem que ser profissional.

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